De como o Delegado Onésimo Vianna escreveu certo por linhas tortas
Em certa época da minha vida, meu primeiro emprego foi como securitário, funcionário de Companhia de Seguros, ou como se dizia naquele tempo, "securiotário", devido aos baixos salários que as empresas pagavam aos seus empregados.
Foram três anos trabalhados no ramo, onde fiz muitos conhecimentos e algumas amizades.
A fila anda, me formei em Odontologia e saí à procura de emprego, que na época já estava difícil. Fiquei sabendo através de conhecidos e de minha irmã Elizabetha que havia uma vaga de dentista no Sindicato da explorada classe e lá fui eu ser entrevistado pelo Presidente da entidade.
O sujeito, que vamos chamar de Tavares, era indivíduo pouco recomendável, cheio de superioridade e prepotência, se dava grande importância do alto do seu cargo. Olhou-me de cima em baixo com certo desdém, anotou meu nome na agenda de mesa e encerrou a conversa com aquele clássico "aguarde comunicação, qualquer coisa nós entramos em contato", o que quer dizer, na maioria das vezes, espere sentado.
O tempo foi passando, é hoje, é amanhã, eu insistia com minha irmã, que era secretária do Sindicato, e nada. Sentia que havia uma certa má vontade por parte do poderoso chefão.
Depois de uma espera de alguns meses, resolvi conversar com o Prof. Onésimo, Delegado do Trabalho e companheiro de pelada, para interceder em meu favor.
Fui prontamente atendido em seu gabinete. Na minha presença telefonou para o Presidente:
- "Meu caro Tavares, minhas recomendações. Estou sabendo que você tem no seu ambulatório uma vaga para Dentista. Gostaria de sua atenção a uma pessoa de meu conhecimento (não citou meu nome), etc, etc, teceu alguns elogios de praxe, agradeceu a atenção dispensada, enviou felicitações de Bom Natal e Ano Novo, já que estávamos próximos da época, e se despediu satisfeito em ajudar o amigo."
Só não sabia quanto...
Do outro lado da ligação, minha irmã presenciou a conversa telefônica, o Tavares cheio de "sim senhor, pois não Sr. Delegado, um pedido seu é uma ordem, vamos providenciar, etc, etc, tenha um bom dia, passar bem Excelência."
Finalizado o telefonema, vira-se para a secretária e dá uma ordem taxativa:
- "Dª Elizabetha, comunique-se imediatamente com o Dr. Roberto Oliva para assumir a vaga de Dentista do nosso atendimento. Eu é que não vou colocar nenhum protegido do Delegado para espionar meu Sindicato".
Trabalhei vários anos naquele Ambulatório, com honestidade e dedicação.
E tinha sempre uma satisfação enorme todas as vezes que encontrava com o ilustre Tavares. Lembrava sempre com uma gargalhada que ele mesmo tinha contratado um afilhado do Comandante, amigo chegado e filho adotivo, sem perceber que os desígnios de Deus e do Delegado Onésimo passaram muito longe da vontade da sua insignificante pessoa.
Nunca contei isso para os personagens deste causo, mas não resisti à vontade de escrevê-lo.
Sei que agora o Comandante irá dar boas risadas do relato de mais um dos seus extraordinários feitos.
R. Oliva
Janeiro 2007