TÊJE EXPULSO
O Medella, se achando o máximo, depois da magnífica vitória contra o time de Neves, marcou jogo contra a AABB, (Associação Atlética do Banco do Brasil), clube tradicional situado na Pampulha.
Compareceu o ilustre Delegado do Trabalho Onésimo Vianna, toda a Diretoria, autoridades do esporte, torcida, jogo importante.
O time da AABB era poderoso, apoio do Banco, sempre apresentava craques que militaram nos grandes times de Minas. O da hora era o Capeta, ex-América, sujeito esperto e bom de bola, apesar da alta rodagem.
Campo cuidadosamente tratado, grama verdinha, juiz da Federação. Que por sinal me lembrava o Idi Amin, de Uganda, trajando aquele tradicional uniforme preto, era um obelisco de ébano. Só contrastavam seus cabelos de cor diferente, entre o branco e cinza. Policial militar aposentado, fama de severo e rigoroso. Data de nascimento antiga. Diz a lenda que quando afro-descendentes apresentam cabelos brancos é que já passam dos cento e dez anos.
Começa o jogo, e começa mal.
O time deles era muito superior, não tínhamos nenhuma chance. De nada adiantavam os dribles do Celso, as arrancadas do Chico, as botinadas do Elias.
No primeiro tempo tomamos um passeio, 4x0, o Capeta infernizou a nossa vida. Já devia ter uns quarenta anos, magrelo, serelepe, nós de vinte não conseguimos ver a cor da bola. Foi um vexame.
Onésimo antevendo a catástrofe iminente, se mandou no final da primeira etapa. Chiquita estava esperando, se desculpou com os presentes e escapou. Não queria ver aquele espancamento.
Logo no início do 2° tempo, Capeta dribla o time todo, dribla o goleiro e entra com bola e tudo: 5x0.
Aí o Elias achou que já era demais. Falta de respeito. Não se trata assim os convidados. E decidiu abrir sua famosa caixa de ferramentas.
Amarelado que já tinha sido na primeira etapa, esqueceu a pelota, as recomendações de prudência do Nenzinho e deu um violento "sossega iaiá" no centroavante adversário, que foi parar fora das quatro linhas.
Sua senhoria, não teve dúvidas. Sapecou-lhe o cartão vermelho.
- "Têje expulso", vociferou irritado, e apontou a porta do vestiário.
- "Vá esfriar as idéias no chuveiro, cabeça de bagre."
É lógico que, apesar da falta ter merecido a expulsão, o Idi Amim fazia parte da folha de pagamentos da AABB, daí a sua irritação.
Elias ainda tentou argumentar aquela velha desculpa de jogador de futebol, fui na bola, mas não teve jeito. A autoridade foi inflexível.
-"Têje expulso, repetiu, sem dar ouvidos ao zagueirão.
Elias saiu do campo e se sentou no banco, junto aos demais atletas e torcedores.
Com a expulsão do indisciplinado, parece que o Medellin acordou, se encheu de brios e começou a jogar melhor, dando sinais de que pretendia endurecer o jogo. Fizemos um gol e a partida pegou fogo. A AABB não queria correr nenhum risco. Ficou empolgante.
E o Elias, iria ficar fora dessa? Claro que não. Aproveitando que o juiz estava atarefado, retornou ao gramado e continuou a jogar normalmente, com mais moderação, é verdade, para o negão não se aperceber. Mas num lance capital, em que poderia acontecer o sexto gol, o instinto falou mais alto. Lançou o Capeta pelos ares.
Sua Excelência, chega, olha desconfiado:
-"Uai, sujeito, eu jurava que já tinha te expulsado. Pelo sim, pelo não, têje expulso!!!"
E prossegue a partida. Elias não esquenta o banco. Mal o ancião vira as costas, entra novamente e continua a farsa. Daí alguns minutos, alertado pelos adversários, o juiz deixa de lado os trâmites legais:
"Mas olha se não é de novo o safado, inda agorinha eu não te expulsei, ô miserável?"
Só olha severamente para o "elemento", que sai sem maiores contestações , cabeça baixa, humildemente, com as mãos para trás, em sinal de respeito.
Mas não chega a assentar-se. Faz que "foi fondo, foi fondo" dá meia volta e continua em campo. E a dar caneladas.
Essa cena cômica se repetiu várias vezes. Elias expulso, saí, senta no banco e retorna triunfalmente a fustigar as canelas dos adversários.
Na enésima vez, a mais engraçada, Elias é expulso, o juiz dá as costas, e no que o infrator vai retornar sorrateiramente, a autoridade se vira de repente, lhe dá o flagrante, abre os braços e pede:
- "Me ajuda aí, ô gente boa! O jogo tá acabando, moreno; senta a bunda nesse banco e não levanta mais."
Final de partida, o Medella perdeu de 6x2, mas isto não tem a menor importância. Este recorde jamais será batido.
O zagueirão Elias Braga da Silva, cidadão de Pequí (MG), domiciliado à Rua Sabinópolis, Carlos Prates, Belo Horizonte, foi expulso de campo sete vezes no mesmo jogo de futebol, e ainda saiu abraçado com o juiz.
Galera, eu vi.
R.Oliva
Causos da Pelada do Vovô
Dezembro 2006