Delegados...
Sucedeu-se em 1985. Estou no meu consultório, quando me telefona o chefe do serviço do Ipsemg, Dr. João, que me faz um pedido:
- "Ô Roberto, me atenda aí o Delegado Pantoja. Está precisando tratar dos dentes, mas é complicado, não gosta de esperar, você sabe como é aqui no Odontológico, me faça este favor. Te devo esta."
Eu pensei com meus botões: hoje é dia dos Delegados. Tinha marcado horário o Delegado Onésimo Vianna. Agora iria atender o Delegado Pantoja. Se bem que os dois não tinham nada em comum.
O da Polícia era um baixinho atarracado, moreno escuro, bigodes a mexicana, de aparência tranqüila. No entanto era homem valente, destemido, fama de mau, acostumado a enfrentar bandidos. Colecionava 18 processos na Corregedoria, tinha matado pelo menos seis, de conhecimento da Justiça, mais uns doze, não sabia precisar bem, de seu particular. Como ele mesmo afirmava, "era tudo meliante". Se houvesse "Oscar" por este quesito, ele já tinha que ter ganho uns dez, pelo conjunto da obra. Saneamento básico.
Do outro lado o Professor Onésimo, da Delegacia do Trabalho, o oposto. Boa prosa, gostava de contar seus feitos, se vangloriava de ser intransigente, durão, mas era o mais pacato cidadão.
Chega o Pantoja , vestindo o seu terno e gravata habituais, perfumado, foi logo tirando o paletó e passando seu 38 cano longo para a secretária, que tremeu nas bases:
- "Cuidado com meu menino, filha, este é companheiro de trabalho."
Na cadeira verifico que seus dentes estão perfeitos, tinha saúde até não acabar, uma pequena cárie num molar. Empunho o motorzinho com decisão e preparo para introduzi-lo na boca da vítima, mas eis que a autoridade segura minha mão e suplica aterrorizado:
- "Ô doutor, cê podia me lascá uma anestresia!"
O machão, "el matador", pasmem os senhores, tinha medo de dentista! A camisa social já estava molhada de suor, os olhos arregalados, as mãos trêmulas.
Converso com ele tentando lhe acalmar, consigo convencê-lo que não é necessária a agulhada, aquela conversa mole de dentista, não vai doer nada (me passa ligeiramente pela cabeça a imagem do trinta e oito cano longo ) e finalmente consigo terminar o tratamento, que foi realmente indolor, graças a Santa Apolônia, protetora dos Odontólogos.
Pantoja, desce da cadeira calmo e aliviado, retomando a sua pose de durão.
- "È Doutor, tu estavas com a razão. Não doeu nem um pouco. O senhor tem a mão leve." Pergunta quanto é, digo que não foi nada, trabalho muito simples que ele poderia ter feito no Ipsemg.
- "Fico-lhe muito grato. O senhor precisando dos meus serviços é só falar. Se tiver alguém lhe incomodando me liga. Roubo de carro, briga de trânsito, qualquer ocorrência. A gente dá um "sapeca iaiá" no indivíduo. Se for reincidente sai de circulação. Ninguém nunca mais tem notícia. Vai pro lugar que o filho chora e a mãe não ouve"
Agradeço-lhe a oferta, (oportunamente quem sabe?) e o acompanho até a porta.
Onésimo está na sala de espera e resolvo, de brincadeira, apresentar os dois.
- "Dr. Pantoja, este é o Delegado Onésimo Vianna".
- "Ah, é colega? Muito prazer! Pois estou falando aqui com o Dr. Roberto, lhe dando a minha proteção. Qualquer entrevero, qualquer amolação que lhe causem, eu prendo. Eu prendo e arrebento! O senhor sabe como é, está na área."
- "Minhas recomendações, meu caro, responde Onésimo. Estou vendo que você é dos nossos." E como é de seu feitio, para não ficar pra trás, entra no jogo:
- "O Dr. Roberto é meu protegido de longa data. Eu também já prendi muito vagabundo lá em Cordisburgo. Até mandava capar! Comigo sujeito atôa tem que andar na linha!
E eu, calado mas rindo por dentro, torno a pensar com os meus botões: É brincadeira, meu?
R.Oliva
Outubro2006