Dois peladeiros históricos

Tenta-se, com sucesso ou não, resgatar personagens históricos que participaram, no passado, das peladas, principalmente na quadra do Colégio Frei Orlando, vizinha à casa do comendador. Na década de 40 e 50, assistíamos filmes clássicos, como o Encouraçado Potemkin, no cineminha do sr. Luiz Krolmann, figura também antológica  da galeria de tipos inesquecíveis do bairro Carlos Prates. Quem quiser se lembrar dessa época procure nas locadoras o filme Cinema Paradiso.

Aliás, Carlos Prates é um bairro rico em tipos pessoais e situações inusitadas. Serão, brevemente, tema de nossos "causos". O Ringo, Wagner, Celso, Elias, Elizinho e outros que tiveram mais liberdade para agir na calada da noite (a vigilância paterna e materna era menor), provavelmente tenham mais a contar. Entretanto, considerando a minha idade (67 anos) provavelmente poderei contribuir mais, pois lá estou desde 1939, quando nasci na famosa rua Suaçuí.

Dois irmãos freqüentavam rotineiramente as peladas de domingo. Um era o Kleder, que possuía um chute com a perna esquerda extremamente forte e certeiro. Já mencionei sua atuação em memorável jogo no estádio Antonio Carlos. O outro, o Newton, bastante gordinho, mas que jogava com uma categoria plástica elogiável, utilizando principalmente seu lado esquerdo e seu corpo privilegiado.

Ambos filhos de um personagem ilustre do Carlos Prates. Trata-se do dr. Guilherme, que possuía uma pequena farmácia na avenida Pedro II, junto ao famoso campo do Flávio dos Santos. Condições de espaço acanhadas, todavia com uma capacidade de atendimento que poderíamos considerar inesgotável.

Naquela época, não existiam muitos médicos. Hoje, as escolas de medicina formam profissionais aos borbotões. Infelizmente, muitos ignorando o juramento de Hipócrates de servir ao próximo, deixando de lado objetivos pecuniários. Alie-se a esta circunstância o péssimo aprendizado proporcionado por faculdades que são criadas demagogicamente pelos governos, sem a menor condição e critério.

Os profissioais então conhecidos no Carlos Prates eram o dr. Bernardo Café ( que ameaçou cortar meu pinto quando eu tinha apenas 4 anos), o dr. Antenor de Castro, que atendia a todas as pessoas, sem qualquer interesse financeiro, mas sim ajudar o próximo e o dr. Miro Magaldi Vianna, que se preocupava principalmente com os mais necessitados moradores do Buraco do Peru, então uma favela em potencial.

O dr.Guilherme era uma espécie de médico de todos; entendia as várias especialidades da Medicina.Em suma, um verdadeiro "jack of all trades" (pau para toda a obra). Receitava qualquer medicamento ( e acertava...) e não fazia questão de pagamento imediato. Podia ser depois... O que lhe interessava era atender bem ao cliente (naquela época ele já praticava isto...). Não há uma família no bairro que não tenha tido contato com ele, criatura afável e sempre de bem com a vida.




Voltando aos seus dois filhos: Já fiz referência à potência do chute do Kleder, engenheiro em São Paulo, e à categoria do futebol praticado pelo Newton, hoje um conceituado corretor de imóveis aqui em Belo Horizonte. Menção se faça à sua impecável Rural verde e branca, sempre rodando em segunda marcha.

O Newton tinha uma característica especial. Driblava como poucos, mas se outro tentava driblá-lo, sem dó nem piedade partia sobre a vítima com todo o vigor de seu corpanzil. A impressão que se tinha é que um "capeta" apropriava-se de seu corpo. Normalmente, jogava de zagueiro, portanto, é fácil imaginar a dificuldade em ultrapassá-lo. Uma vez fui obrigado a dividir uma bola com ele (logo eu que não jogava nada na linha), porque ele dera uma entrada violenta no Marcus Vinícius (meu filho) - um verdadeiro craque de bola que não reclamava de nada. Houve a dividida, reclamações daqui e dali e tudo terminou em pizza. Certa vez, quase houve uma briga entre ele e o Idalminho porque este revidou uma entrada mais violenta. Não deu em nada, graças à famosa turma do deixa disso, capitaneada como sempre pelo Ringo.

Ambos, o Newton e o Kleder, também foram ótimos jogadores de futebol de campo, participando do outrora famoso Medellín ou Mug. Tenho a impressão que o Newton também esteve no histórico jogo no estádio do Atlético, tema de um dos "causos" relatados por mim.


Antonio Castilho de Souza
Agosto de 2006
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