Direita, volver!!!

       
       Sucedeu-se por volta de 1983.
       
       Quando surgiu na pelada o Délio Gandra, convidado pelos Itamarandibenses Antonio Augusto e Adilson, jogávamos lá no Horto.

       O Délio era desses caras de fala mansa, boa prosa, tocador de violão, contador de causos, sujeito maneiro, gozador típico do interior das Minas Gerais. Era gerente da Economisa e oferecia seus préstimos pra todos.
       
       Caiu logo nas graças do Delegado Onésimo, orgulhoso Cordisburguense, sempre de coração aberto, feliz em bem receber os novos com um sorriso fraterno, um versinho singelo e um afago nas costas, às vezes dado, é bem verdade, com uma certa energia, para desinibir o convidado.

       O veterano Elisinho, Edson Braga da Silva, ao contrário, não era muito afeito aos novatos. Procurava incomodar, fazia jogo duro, não queria nem saber de intimidades. E desejava ganhar sempre, era uma característica da sua personalidade. Não admitia perder nem par ou ímpar. Vem daí sua aversão a ter caras novas no seu time, que segundo sua opinião, entravam sempre com um certo respeito pelos jogadores mais antigos.

       Logo começou a chamar o recruta de Nélio.  Era Nélio, pra cá, Nélio pra lá.  O novato retrucava timidamente:        
       - "O nome é Délio."   
       - "Tá falado, Nélio", respondia o recalcitrante Edson.




       Ora, o verdadeiro Nélio era um jogador do Cruzeiro daquela época, e não era dos bons. Contestado pela torcida, pela mídia, era uma unanimidade negativa, sempre presente nas manchetes. A comparação não agradava nada ao calouro.

       Com o passar dos domingos, por mais paciência que Délio demonstrasse, aquela implicância começou a saturar o volume de sua bolsa escrotal.  Mas como era novo no trecho e conhecia as regras, novato não podia falar, reclamar ou emitir opiniões, ficou quieto no seu canto. Mas foi anotando tudo em sua caderneta de vinganças.

       Finalmente, chegou o dia que os dois calharam de jogar no mesmo time.  Elisinho, líder natural do seu quinteto, procurava acender a garra do time, tinha muita gente de fora, precisavam ganhar para continuar na quadra. Escolheu, como era de se esperar, o Délio para seu alvo.

       - "Corre Nélio, solta essa bola, volta Nélio, não fique aí parado, não é assim, dá combate, porra Nélio, raça !"
       A gritaria não tinha fim.
               E o Délio, só olhava "de esgueio", e continuava calado, como bom mineiro, não querendo queimar seu filme.
       
       O jogo empatado, quem perdesse saía, a geral lotada de craques já se aquecendo, aquela tensão pré-parto (parto para o banco), Elisinho estressado, adrenalina a mil.  Num lance que poderia decidir a partida, domina a bola, olha a posição dos companheiros e grita:



       
       - "Cai na direita, Nélio!"
       
       A ordem soou imperativa, irredutível, incontestável. Sargentão mesmo. Tipo "Direita, volver!!!"

       Imediatamente, Délio se joga na quadra, ou melhor, deixa-se cair à direita e fica ali estatelado, quieto, estático.

       O momento foi cômico. A galera, os que estavam em campo, os que estavam de fora, companheiros e adversários, todos caíram na risada. O impossível acontece: a pelada pára. Parou geral.

       Elisinho percebe a gozação e p... da vida perde as estribeiras:

       - "Pô, isto aqui é um jogo sério, não é palhaçada. Jogar com novato dá é nisso". Sai de campo, soltando os demônios.

       E o Nélio, digo, Délio, no chão, fingindo-se de sério:

       - "Uai, sô, gozado! Num mandô caí pra direita? Eu caí, antão!"


R.Oliva
Agosto 2006

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