Dia de Glória        

       Naquele sábado Nenzinho estava desesperado, em frente à casa do Comendador Onésimo.  Não havia conseguido recrutar todos os atletas, para o jogo mais importante da história daquele seu  time mal estruturado, mal escalado, sucessor não reconhecido do Medellín, que apresentava o insólito e estranho nome de MUG.
        O Heitor Dal Ferro (instalação trocada), zagueiro experiente, estava bêbado; Newton tinha ido pro sítio;  o goleiro não apareceu. Wagner Castilho não estava em casa.
Diolei,  irmão mais novo do Joaquim (Jacó), que morava na rua Cambuquira,  e jogava bem, foi chamados às pressas.
       O que ele pode convocar  ia na sua  Kombi. Torcida, nem pensar.  Naquele dia não tinha nem testemunha.
       E vamos a escalação.  Diz aí, Tino Marcos. OK, Galvão:
No gol, Edson Mal Acabado
Zaga improvisada,  formada   por  Piauí, Marcão, Elias,  e Ringo.
Meio de campo, o ponto forte do time, com Massara, Diolei , Celso e Cleder.
E no ataque, despontam Chico Morais  e  Nenzinho Peito de Pomba.

       Íamos jogar com o grande time da Penitenciária de Neves, que era composto por alguns presos (perigosos),  pelo pessoal que trabalhava lá (presos de "bom" comportamento) e craques recrutados nas imediações (presos em regime semi aberto).
Em resumo: era tudo gente fina. A esquadra era organizada: camisas novas, chuteiras engraxadas,  retrospecto e estatísticas das partidas realizadas, patrocínio do Estado,  não perdiam há 28 jogos.

       Chegamos lá meio tímidos,  receosos pela fama do time e por jogar na Penitenciária. Não era o lugar ideal. E não tínhamos nenhuma cobertura. Eram onze homens e um destino:  Se ferrar.
       Fomos recebidos com ironia.  Riram muito do nosso "conjunto", esfarrapado Mug, cada jogador com um calção diferente, camisas velhas e amassadas,  meias individuais, algumas apresentando furos enormes. Fizeram pouco caso do nosso veículo de combate, a  velha e rodada Kombi do Nenzinho vender seus doces, que estava caindo aos pedaços.




       Começou o jogo e só davam eles no ataque.  A gente correndo atrás, tentando adiar a derrota, e o time de Neves sobrava. Eram bastante treinados, a maioria não saía da concentração: a penitenciária.  Já previam mais uma vitória e continuavam menosprezando o adversário.

       Logo apelidaram Marcão de "o apertadinho", pois o nosso grande zagueiro jogava com um calção muito justo, que lhe tolhia os movimentos, apresentando um "pique" muito curto. Riam e jogavam tranqüilos, na certeza que sairiam vencedores mais uma vez.  O gol estava mais que amadurecido e a goleada era questão de tempo.

       Porém, aos 20 minutos do primeiro tempo, uma falta na entrada da área a nosso favor. Cleder vai lá e acerta um chute certeiro, com efeito, no ângulo,  como dizem os nossos comentaristas de plantão, onde a coruja dorme, sem chance para o goleiro. 
       Mug 1 x 0.  Foi um banho de água fria.

       O empate esperado não saiu na primeira etapa.

       O Edson pegava tudo,  Marcão invocado com as gozações,  chegava junto e limpava a área e o Elias abriu a sua habitual caixa de ferramentas. Nada pessoal, como sempre. Nosso meio de campo tocava a bola,   conseguimos segurar o placar.

       O segundo tempo começou e o jogo ficou duro. De repente as gozações acabaram e deram lugar ao desespero.
       "Perder pra este time?  Num cridito!!!"

  E o tempo passando e o antagonista desesperando que nem nas músicas do Altemar Dutra. Marcão e Elias não davam moleza lá atrás. Edson virou o capeta e fechou o gol.

       A torcida era toda deles e fazia grande pressão;  o juiz era todo deles e só apitava a favor. Aquilo foi acendendo nossos brios e passamos a jogar com toda raça.
        "Seja o que Deus quiser. Se tivermos que apanhar, no braço ou na bola,  que seja hoje."







       O tempo regulamentar acabou, começou a escurecer.  E o juiz  não terminava a partida a espera que em algum momento o jogo virasse.

       Elias dá a ordem:  "Arrecua meio de campo e ataque e bola pro mato que o jogo é de campeonato", como dizia o gordo Fernando Sasso.  Em volta do campo realmente havia um matagal.  A idéia, o objetivo principal era sumir com a pelota, já que estava bastante escuro. Qualquer lance, qualquer jogada, terminava com um dos nossos dando um chutão para o meio daquela floresta. 

       Por fim não teve mais jeito e a "otoridade", vendo que não adiantava insistir, deu por terminado o jogo.
       Tínhamos vencido, para grande espanto nosso e maior do inimigo.

       Neste momento, apesar da alegria, nos passou um medo que eles quisessem brigar,  o que era muito comum acontecer.
       No entanto, para nosso assombro, o time deles desabou no gramado, começaram a discutir entre eles e alguns choraram.  Lágrimas mesmo.  Nunca havíamos presenciado um final de partida assim. Só falavam:
" Perder logo para este time, cumé qui pode?..."

       Aproveitamos este momento inusitado e cascamos fora.
       
       Na Kombi, já longe dali, caímos na real e na gargalhada. Nem nós acreditávamos no que tinha acontecido.
       Vencemos o famoso  time da Penitenciária de Neves, lá dentro, 28 jogos invictos, cheios de marra, que se acabaram em prantos, comendo grama.

       O esfarrapado MUG, time  junta-junta de fim de semana, lá da Rua Sabinópolis, no Carlos Prates, tinha tido os seus noventa minutos de fama, com mais trinta de prorrogação. 
       
       Foi a glória...
       


R. Oliva
Agosto 2006

 
 
 
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