ANTONIO JORGE, O BURRACHA

       Antonio Jorge Aburrachid, famoso Burracha, era um cara muito engraçado e divertido. De família libanesa, morador antigo do Carlos Prates, tinha lojas de roupas  na Rua dos Caetés e na Praça da Estação. "Vai lá no loja, é baratinho senhor, dizia sempre!"

       Só não se conformava em ser o pior da pelada.  Ficava invocado de ser o último a ser escolhido, depois do Comendador Onésimo, que já era bem rodado.
       
       Falava o tempo todo, jogando ou no banco, gostava muito de conversar com o Delegado.  De contusões, conhecia tudo: dava diagnóstico, prognóstico e tratamento.  O sujeito lá, estatelado no chão, morrendo de dor, chegava o Burracha e só de olhar já sacava: 
       
       - "Ih, lesão de menisco.  Oito meses parado; coloca gelo agora e compressa em casa. E faz fisioterapia. E olhe lá, não sei se dá pra voltar a jogar." Era um otimista.
       
       Quando apareceu o Panhoca, trazido pelo Marcelo Pimenta, sua carreira cresceu. Não era mais o pior.   Chegou até a fazer uns golzinhos. Panhoca ganhava em todos os quesitos: ruindade, falta de aptidão, preparo físico e peso. 
       
       Ia à loucura com "as canetas" que levava todo jogo, principalmente do Fabiano, Alexandre, Ricardo e do Tio Willian, que exagerava na dose, dando três seguidas em cada jogada.  O Burracha não tinha a maldade de dar na canela no gozador, parava no lance, se desesperava, coçava a cabeça, e suplicava :                -  "De novo, não!"
       
       Mas o seu maior trauma era ter que jogar no gol. Não levava jeito algum, tinha um medo terrível, corria da bola, para protesto geral dos companheiros de time.
       
       Com a aposentadoria precoce do Antonio e a ida definitiva do Wagner e do Idalmo para a linha, a pelada perdeu 3 goleiros da tradição e da dinastia Castilho de  uma só vez.  Ficamos órfãos de guarda-metas, como dizem os portugueses. Tivemos alguns goleiros eventuais, como o Delvan, que pegava muito e jogou um bom tempo. Outros foram algumas vezes, como o goleiro-falador, sobrinho da Tina, mas devido à potência mortífera dos chutes do Fabiano, Ricardo, e Alexandre, desistiram de arriscar a vida todo  santo domingo, sete horas da manhã.
       
       Um dia  Wagner levou um goleiro seu vizinho, se não me falha a memória,  médico de profissão. Todo paramentado,  a caráter, teve a infelicidade de tentar deter um canhão que com toda a delicadeza o Fabiano disparou  logo na primeira pelada.  A bola lhe bateu no olho, que imediatamente virou uma bolsa roxa e disforme. Teve que ir embora se tratar às pressas e nunca mais voltou.
       
       Daí se resolveu que cada um daria sua cota de sacrifício jogando no gol seus cinco minutos.  Até pai participava. E o medo do Antonio Jorge só crescia.
       
       Foi aí que  teve a brilhante idéia de instituir o "personal-goleiro", o goal-keeper pessoal, o guarda-metas particular. Só mesmo o Burracha pra inventar esta.  Chegou lá com um cara franzino, humilde,  fantasiado de Taffarel.
       
       - "Estou trazendo este rapaz aqui para jogar no gol quando for a minha vez, foi logo dizendo."
       
       Argumentamos com ele:  "Ô Burracha, se  veio jogar que jogue o tempo todo"; mas o turquinho não aceitou nossa argumentação.  "Não, só joga na minha vez, pra economizar o atleta. É meu goleiro pessoal, meu funcionário,  trabalha lá no loja comigo. Se jogar pra todo mundo atrapalha pelada"
       
Pois bem. Isto funcionou apenar um domingo.  Logo no outro, uma bola foi lançada para o Ricardo, que de voleio soltou um torpedo, daqueles que, como se diz na gíria do futebol, "pegou na véia". A bola já saiu toda torta, debaixo pra cima, com todo o efeito do mundo  em trajetória ascendente  foi de encontro ao queixo do pseudo number-one. Ele saiu do chão, levitou alguns segundos, seu pescoço se alongou para trás como nos desenhos animados, "revirou os oínhos", e finalmente aterrisou,  quase desfalecido, fazendo a clássica pergunta:        - "Anotaram a placa?"
       
       Deve ter sido divertido o libanês, no final de semana seguinte, convocando o funcionário para voltar ao futebol: 

       - "Ô meu rapaz, vamos lá jogar bola, tô precisando de você no gol, te pago cinco reais de extra e não precisa trabalhar domingo à tarde 'no loja'. Eu saber que brasileira é muito bonzinho e gostar de futebol"

       - "Olha aqui seu Jorge, o senhor pode me fazer as contas, mas naquela pelada eu não volto mais. Tô fora!"
       
       Com o sumiço do Panhoca e o fracasso do personal- goleiro, Aburrachid resolveu encerrar sua curta carreira, e me confidenciava sempre: "Sem o Panhoca não dá, ele era importante para o grupo, questão de estratégia;  tem que ter um pior."
       
       - "Deixe de bobagem, Burracha, vai lá jogar, pai gosta da sua presença."
       
       - "O Panhoca tá indo?  Sem o Panhoca, não vou.  Ser o pior da pelada, jamais!"
       
       E nunca mais apareceu...

R. Oliva/Maio 2007

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